O não pertencimento e eu

Giovana Alves
3 min readJan 25, 2021

Há 8 anos, eu iniciava a minha jornada no mundo corporativo. Uma garota de 15 anos que nunca ouviu falar sobre trabalho formal, carreira e menos ainda de como as coisas funcionavam nesse novo mundo.

Eu era uma menina negra e periférica e aquela era a minha primeira experiência em um mundo elitizado, meu primeiro contato com pessoas formadas, privilegiadas, brancas. Foi um susto, confesso.

Encarar o novo é difícil, encarar um ambiente elitizado sendo um corpo negro é doloroso demais. Por anos eu não me vi nesse lugar. AS pessoas faziam questão de me lembrar a minha cor, que eu não vinha de uma família financeiramente estruturada, que o meu padrão estético não era dali e mais, que eu deveria servir acima de qualquer coisa. Não falar, não opinar, não discordar e existir no meu mínimo. Não podia me conectar com sêniors nem enviar e-mails a eles, mesmo que eles pedissem, conhecer outras areas…

Um dia um funcionário me disse ter cara de merendeira e não de secretária. Questionei à todos, o que é que no meu rosto definia minha profissão. Até hoje não obtive resposta, ele continua empregado e eu lutei por mais de um ano contra lembrar que ter uma pele preta me faz pertencer à espaço algum. Eu soube que não pertencer era sobre o racismo.

Hoje, revisitando toda essa história, todo o passado de uma garota preta nesse mundo novo, percebi que o não pertencer não é uma neura. Eles realmente fizeram de tudo para que eu não me sentisse confortável ali.

Com isso, comecei a construir a ideia de que não pertencer está relacionado a não fazer parte. E eu não fazia mesmo. EU QUERIA MAIS! E querer mais, me fez buscar mais e entender que, eu não queria só pertencer. Eu queria ser eu nesse pertencimento. Eu queria existir no meu máximo, desenvolver meus skills, eu queria ser potente sem culpa.

E foi isso que me fez ir além, foi isso que me ajudou a enxergar que estar ali não era o melhor, que eu tenho uma história linda (dolorosa) e potente, que eu fiz coisas incríveis sem acesso e privilegio, que eu estava sempre buscando meu melhor. Como é que algum lugar, empresa, pessoa, pode me dizer que eu não pertenço, se eu existo?

Preta, quando o não pertencimento e o racismo, baterem na sua porta para dizer que você é preta — e nova demais, pouca experiência, sem viagens para a Disney, e periférica, e sem roupas como as deles, sem cabelo, pele e perfil como as deles — não os ouça. Reviste a sua história, respeite o que construiu, se olhe com afeto e se puder, deixe essa organização. Trabalhe em um lugar que te respeite, que não proíba a sua existência.

Não permita se sentir menor porque não viajou, porque estava estudando, indo a pé, economizando grana para comer, cuidando dos irmãos, ou simplesmente sem oportunidade de se movimentar. Qualquer lugar que te pede para ser menor, não te cabe.

Se olha com carinho, mira e vai. Coisas maiores vão te alcançar. Não duvide!

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